segunda-feira, 27 de junho de 2011

Valores Inúteis, por Ernesto Oderich Sobrinho

Há alguns dias, um velho amigo defendia a ideia de que uma das instituições brasileiras que havia melhorado nos últimos anos era a Imprensa – jornais, rádio, TV, revistas etc.
Fiquei um pouco surpreso, pois costumo pensar que “instituições” é o conjunto de órgãos que formam os três poderes governamentais! Mas logo me dei conta da “institucionalidade” inata da imprensa, na medida em que também é indispensável à existência de uma sociedade livre e democrática!
Concordando que melhorou, dei-lhe minha razão para tanto: a “imprensa” é constituída por um conjunto de empresas privadas que buscam o lucro e, portanto, tem de atender às necessidades e expectativas de sua clientela. Ora, essa clientela é exatamente a parcela mais culta e educada da população e, assim sendo, é exatamente a que tende a dar maior importância aos valores tradicionais da civilização ocidental: respeito à família, aos mais velhos, ao trabalho, à honestidade, conhecimento, sabedoria, à justiça, amizade, lealdade, solidariedade, confiança, civismo, patriotismo, e por aí afora.
Essa mesma parcela acha que tais sentimentos não são compartilhados pelo restante da população em razão de sua ignorância e pouca educação formal. E, peremptória, sentencia: a solução é dar mais educação ao “povão”!
Sem dúvida, mais educação é necessário. Mas discordo da ideia de que o “povão” não compartilhe dos valores acima por falta de educação. Bem ou mal, tais valores são inerentes à nossa cultura e às religiões aqui predominantes, o que faz com que sejam compartilhados mesmo pelas famílias mais incultas e humildes. Diria, apenas, que a tolerância com o desrespeito a tais valores tende a ser diferente entre os que comem três vezes por dia, vivem em uma boa casa e em um bom bairro, e aqueles que assistem da porta de seus barracos no meio da favela, aos filhos serem massacrados ora pela polícia, ora pelos traficantes, quando não pela fome e pelas doenças perpetuadas pela falta de renda, de instrução e de assistência pública...
Acreditam nas virtudes, mas não levam fé...
E tem lá suas razões: a sensação generalizada de descrença nos valores básicos da cultura ocidental é o resultado do ambiente de hipocrisia e cinismo em que todos vivemos! Pergunto: qual a utilidade prática de tais valores diante da corrupção e da impunidade de políticos e classes dominantes? Ou do nocivo corporativismo do funcionalismo público e outros entes estatais e paraestatais? Ou da priorização dos interesses das grandes corporações em detrimento dos da sociedade como um todo? Grandes corporações que, com a possível exceção das japonesas, ignoram os interesses tanto de seus países de origem, quanto dos que os acolhem! Ou, ainda, diante de uma ideologia dominante que justifica a cupidez, repudia o bem comum, e luta para acabar com a escola, a segurança e a saúde públicas, em favor de alternativas de educação, saúde e segurança ministradas por empresas privadas? Interesses privados defendidos com o estardalhaço de dispendiosas ações publicitárias e de relações públicas, somadas ao bem pago esforço de lobistas e outros tantos profissionais de proverbial competência?
Aparentemente, o único “valor” respeitado no Brasil é o patrimonial. O resultado é a descrença geral na virtude, que a acachapante presença da corrupção e da impunidade só fazem reforçar!
Como dizia Cervantes pela boca de Don Quixote, “acreditar na virtude é até mais importante que a própria virtude!”. Não sei se é mais, mas, certamente, acreditar na virtude é muito importante. Mais que isso! Precisamos voltar a praticá-la.
Mas, para isso, o Brasil tem de acabar com a impunidade!