terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Cara Presidente, com todo respeito, discordo!

Adolescente, na década de 60, ajudava nas férias o departamento de pessoal a envelopar dinheiro vivo, para o pagamento dos funcionários. Ato contínuo, colocávamos sobre o balcão uma porção de canetas e algumas "almofadinhas" que serviam para atender aos analfabetos. Passados cinquenta anos, vi muitas creches, escolas, algumas até de tempo integral, e várias universidades serem construídas. Vi também nascer a merenda escolar, o vale refeição, o vale transporte, o vale leite, vale gás, bolsa família. Temos, claro, um oceano a percorrer até atingir um nível satisfatório de ensino, mas, olhando assim de longe, muita coisa melhorou. E a nossa criminalidade como ficou? Piorou e muito. Hoje temos quase três vezes mais assassinatos por cem mil habitantes do que naqueles tempos. E a campanha do desarmamento dos últimos anos? Também não trouxe qualquer alívio significativo. O avanço na educação e na redução da miséria não se transformou em melhoria na segurança pública, porque não existe essa relação direta que vive sendo apregoada. A senhora pode querer enraizar o fim da violência com incentivo à educação, mas a “escola da vida” que já definiu a mentalidade dos pais de jovens que hoje estão envolvidos com o crime, não vai mudar. E esses jovens veem seus pais impunes, se convencem de que o crime prevalece e acreditam que dependem dele para sobreviver. Como vamos convencer essas famílias que a ir pra escola, a essa altura do campeonato, vai ser mais produtivo a elas do que ganhar um bom dinheiro com serviços sujos? A formação social, relacionada diretamente ao cumprimento efetivo de penas rigorosas a quem comete crimes, é uma prioridade que está sendo esquecida. Primeiro temos que mostrar que o sistema funciona, para depois dar alguma credibilidade a nossa educação. Em São Paulo, são assassinadas 9,3 pessoas por cem mil habitantes. Lá, embora o gigantismo das cidades e do próprio Estado, as coisas melhoraram muito nessa década. No nosso amado Rio Grande, que se nega a construir novas cadeias e aumentar os efetivos policiais, nosso índice é de 16,3. Quer dizer que nossa situação social e educacional é 75% pior do que lá? Parabéns pela redução da miséria, parabéns pelos esforços em melhorar a educação e distribuição de renda. Infelizmente, a criminalidade no RS só cairá quando colocarmos as dez mil pessoas já condenadas, na prisão. Enquanto isso, elas farão o que sabem fazer - cometer crimes.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O comodismo que choca

O Brasil acordou de seu berço esplêndido de forma avassaladora pela segunda vez em um período exato de 30 anos. Em 83, quando o povo saiu às ruas para reivindicar as Diretas, e recentemente, para protestar contra o aumento das passagens de ônibus. Ambas as situações foram bem diferentes, porém se assemelham, e muito, por suas motivações. Elas ocorreram após um período de despertar profundo, em que decidimos usar a força coletiva para tentar resolver um problema que nos assombra há anos: a omissão. É chocante observar como as coisas só mudam por aqui quando o nível de saturação dos problemas atinge um nível caótico. Precisamos sempre aguardar por cenários praticamente irreversíveis para nos mexer. Saímos do lugar quando a realidade nos afeta duramente, seja no nosso círculo social, nos nossos sonhos ou mesmo no nosso bolso. Enquanto não chega o momento em que não temos pra onde correr, vale sempre a pena insistir no jeitinho, na fé cega do brasileiro por mudanças da noite para o dia. Minha história de vida está ligada a uma perda que eu jamais esquecerei. Foi assim que eu acordei. Creio que várias pessoas devem ouvir repetidamente a narrativa da morte do meu filho com total tédio. Não as culpo. Outras muitas devem sentir um breve momento de pena. Também não reclamo. Faz parte da nossa cultura. Enquanto não sentimos na pele uma ponta de arrependimento pelo nosso fracasso coletivo como sociedade, nada faz sentido. Basta uma breve inspiração que, inconscientemente, alguém irá pensar: “Antes ele do que eu”. As pessoas se chocam se eu lhes mostrar o vídeo da Campanha Chega de Braços Cruzados, que recentemente completou um ano. Assistir, mesmo que de forma ficcional, o velório de uma jovem, é realmente perturbador. Contudo, mais perturbador do que é isso fazer exatamente o que o roteiro da cena indica: nada. Que me chamem de louco aqueles que acreditam ser muita audácia jogar isso ao vento. Loucura para mim é acordar todos os dias sabendo que não posso mudar a única coisa irreversível da vida. Serei louco até o fim de meus dias. A única coisa que busco hoje é evitar que os outros tenham de lidar com a impotência imposta pelo que é definitivo. Só lamento ter que assistir o Brasil despertando de tempos em tempos, nos intervalos de muita risada, pizza e bola na rede.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A crônica de um fracasso

Saiu o relatório “Mapa da Violência 2013”, das mortes matadas por armas de fogo na última década. No período, mudamos a lei do porte de armas, fizemos um plebiscito, muito debate, muita propaganda, muito dinheiro público foi gasto na compra de armas da população e a que ponto se chegou? A lugar nenhum! No início do milênio, começamos com cerca de 34.985 mortes por ano, e terminamos 2010 com 38.892. Em termos percentuais sobre a população de 100.000 habitantes, que é a forma usual de medir esses dados, passamos de 20,6 casos para 20,4. Mudança insignificante. Pessoalmente não gosto de armas, mas sempre considerei essa alternativa inútil, pois o que todo mundo imaginava acabou acontecendo. Quem entregou as armas? Quem não precisaria tê-lo feito. As grandes quadrilhas agora, como antes, dispõem de armas de grosso calibre, granadas, explosivos etc... O Rio Grande do Sul teve uma melhora aparente. Ocupávamos a 11.ª posição e hoje passamos ao 17.º lugar. Aparente sim, pois não houve qualquer avanço. Permanecemos com o mesmo número de casos anuais – 1.700 em termos absolutos, e exatamente o mesmo percentual: 16,3 mortes por 100.000 habitantes. Todo esforço, inclusive de nossa ONG, foi em vão. Mas o relatório, ao mesmo tempo, enche-nos de esperança. São Paulo, o Estado mais populoso do país, teve a melhoria mais expressiva. Passou de 10.600 casos por ano, para 3.800. Uma espetacular melhora 67,5%. Lá a Segurança Pública foi tratada pelos métodos tradicionais. Nada de Territórios da Paz. Aumento de efetivo, qualificação da investigação criminal e construção de vagas prisionais. Agora o estarrecedor mesmo é a comparação com as guerras no mundo. De 2004 a 2007 houve 62 conflitos. Lembramo-nos apenas daqueles que aparecem na mídia, como o Iraque e o Afeganistão, mas houve outros na Somália, no Nepal, no Congo etc. Todos eles somados produziram 208.349 óbitos. Nesses mesmos quatro anos, o pacífico Brasil, em paz, chegou quase à mesma quantia: 147.373 óbitos. Torço para que esses dados abram as cabeças das pessoas que acreditam em tratar bandido a pão de ló, em não punir, em abusar dos indultos de Natal. Rezo para que comecem a arrefecer em suas crenças e a dar-se conta de que quem entende de segurança é a policia civil, a polícia militar, os agentes penitenciários, os promotores e os juízes. São Paulo provou que o bom e velho feijão com arroz pode funcionar.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Mobilização na Redenção

No próximo final de semana, domingo dia 18 de agosto, faremos nossa MOBILIZAÇÃO PELA SEGURANÇA, com QUALQUER TEMPO. Por absoluta coincidência de disponibilidade de datas do Brique da Redenção, nossa mobilização coincidirá com o aniversário de 11 anos do enterro do Max. Desse modo, haverá uma missa de todas as vítimas de violência do Estado do RS às 10h da manhã na Igreja que fica ali ao lado da Redenção (Igreja do Divino Espírito Santo, Rua José Bonifácio, 753). Peço não só o comparecimento de todos, mas também que nos ajudem a divulgar via internet, facebook e outras redes sociais esse evento. O objetivo maior é colocar o tema SEGURANÇA PÚBLICA na pauta dos problemas nacionais e que o Congresso passe a votar a enorme quantidade de projetos (muitos deles bons) que dormem nas gavetas do parlamento. Abaixo os dados da mobilização: Faremos uma mobilização no Brique da Redenção, no dia 18 de Agosto (domingo), das 10h às 15h30, para mostrar à sociedade que quem está vivendo atrás das grades somos nós, a sociedade de bem. Vista a camiseta do seu ente vitimado pela violência ou uma camiseta preta e nos ajude a protestar nesse dia. Primeiramente, teremos a missa de 11 anos de falecimento do Max Fernando de Paiva Oderich e de todas as vítimas de violência do Estado do RS às 10h na Igreja do Divino Espírito Santo, localizada na Rua José Bonifácio, 753. A partir das 10h40, teremos a representação de um grupo de teatro das pessoas vivendo atrás das grades nos boxes 1 e 2 do Brique, em frente ao Colégio Militar. Também colheremos assinaturas para a campanha Pelo fim da impunidade www.pelofimdaimpunidade.com.br que tem por objetivo alterar o Código Penal nos seguinte itens: • Aumento do período máximo de prisão de 30 para 50 anos. • Aumento da pena mínima para o crime de homicídio simples, de 6 para 10 anos. • Elevação do tempo para progressão de pena. • Volta do exame criminológico para concessão de benefícios penais. Distribuiremos adesivos e cartilhas da campanha Chega de Braços Cruzados e divulgaremos a lei estadual 11.314, que garante proteção, auxílio e assistência às vítimas da violência no Estado. Ajude a divulgar! Chega de braços cruzados!

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Abaixo os cargos de confiança!

Certa vez a ONG fez uma manifestação. O assessor de um parlamentar ficou encarregado de tabular alguns dados e repassar-nos. Passou dia, passou semana, passou mês e nada. Irritado, questionei a minha secretária. Ela revelou-me o segredo. A figura era filho de um prefeito do interior, e estava no gabinete apenas ocupando um espaço político. Peguei o telefone, puxei meu lado Felipão, e xinguei forte. Meia hora depois, o e-mail com os dados estava comigo. Isso não é exceção. Milhares de pessoas, o lixo da iniciativa privada, cidadãos que não servem para quase nada, agregam-se aos partidos políticos. São os “aspones” que comandam o segundo e terceiro escalão dos ministérios, as secretarias e as empresas públicas. Vivem de mamar nas tetas do governo. Não é que não sirvam para absolutamente nada, emprestam suas tristes figuras às maracutaias de toda sorte. Ressalvem-se as exceções de sempre. O país não anda. Os serviços são péssimos. Há desvios, desperdícios e inutilidades. É muita gente ganhando para não fazer nada. Os impostos são altíssimos. O Brasil pode procurar em sua própria história a solução desses problemas. Qual foi o período de maior crescimento econômico e melhor desempenho da máquina pública, mercê de uma carga tributária muito inferior? Gostem ou não, foi no período militar. A boa notícia, porém, está em que o que foi feito não depende de ditadura nem de restrições à democracia. Médici, em cujo mandato ocorreu o ápice do chamado “milagre brasileiro” com crescimento sempre acima de 10%, detestava os políticos de toda sorte. Mesmo dos empresários que se metiam a fazer politicagens. Durante o regime militar a administração do Brasil foi feita pela elite dos funcionários públicos de carreira. Ficaram conhecidos como os tecnocratas. O máximo que havia eram coronéis da reserva que vigilavam o viés político, mas, mesmo esses, eram servidores públicos e conheciam a máquina. Corrupção houve também, mas muito pouca comparada com o que agora ocorre. Nos países que chamamos de primeiro mundo, ocorre a mesma coisa. A administração pública é profissionalizada e eficiente. O povo saiu às ruas e quer mudanças. Como traduzir essas mudanças num projeto concreto de país? A sugestão que faço é a de entregar a administração pública a quem é do ramo, que estudou para passar num concurso sério, e fez toda uma carreira dentro de sua instituição. Centenas de Joaquins Barbosas espalhados pelas repartições. Com uma pitada de meritocracia, poderíamos ser uma potência econômica como somos gigantes no futebol.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Segurança pública já!

Em tempos de protestos e reivindicações, a ONG Brasil Sem Grades quer colocar a segurança pública na pauta das mudanças. Por isso, no dia 18 de agosto, domingo, das 10h30 às 15h30, promoveremos uma mobilização pacífica no Brique da Redenção, em Porto Alegre. Queremos mostrar para os governantes que quem está vivendo atrás das grades somos nós, cidadãos. A lei brasileira está a favor dos bandidos e contra as vítimas. Enquanto não tivermos uma legislação que acabe com a infinidade de brechas, a população continuará vivendo sob as grades da própria casa. Precisamos sair da zona de conforto e cobrar dos políticos de forma intensa a revisão do Código de Processo Penal. Um exemplo disso é a ação do dia 18 de agosto, em que os participantes poderão tirar fotos com atores vestidos de presidiários e enviar para os deputados, ilustrando a prisão do cidadão de bem e a liberdade dos criminosos. No ano passado, a ONG criou a Cartilha Nacional de Propostas com 15 medidas de revisão do Código de Processo Penal, em parceria com os promotores do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Fabiano Dallazen, Fábio Sbardellotto, Mauro Fonseca Andrade e Mauro Luís da Silva. O documento está disponível no site: www.brasilsemgrades.org.br. Também apoiamos a campanha Pelo Fim da Impunidade, que está coletando assinaturas por todo o Brasil em prol da revisão do Código Penal, e a divulgação da Lei Estadual de proteção, auxílio e assistência às vítimas (Lei 11.314). Aproveite a oportunidade e mobilize também a sua cidade!

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Para endurecer!

Da atual legislatura do Congresso Nacional nada mais se pode esperar. Lá tramita a reforma de dois importantes códigos: a do Código Penal, que define o que seja crime e quais as suas penas, e a do Código de Processo Penal, que regra o modo como as pessoas são processadas, como são apuradas as provas, quais os recursos cabíveis. Nós, os familiares de vítimas da criminalidade, lutamos uma luta inglória. A deputada federal paulista, Keiko Ota, mãe do menino Ives Ota assassinado há dezesseis anos, relata-nos a imensa dificuldade em aprovar nas comissões tímidas alterações que tragam um pouco mais de justiça. Pela vontade da atual maioria e pela poderosa opinião do atual Ministro da Justiça, podem anotar: o que já nos parece ruim piorará. A droga será descriminalizada, as penas serão reduzidas, os réus terão mais direitos de defesa, a polícia mais dificuldade em investigar e o ministério público em processar. Fora a questão da PEC 37, que impede o Ministério Público de investigar os crimes do colarinho branco. Os “juristas de renome” chamados a opinar são os famosos do julgamento do “mensalão”. Todos finais de ano, no meio das festas, o Diário Oficial publica uma enorme lista de indultados, bandidos a quem o Governo perdoa as penas. É nesse sentido de que gostarias que as coisas mudassem? A ONG Brasil Sem Grades quer influenciar as comunidades para que selecionem os candidatos a deputado federal que se posicionem nas votações sobre criminalidade. Que fique bem claro: queremos Reforma da legislação penal sim, mas para ENDURECER. Para isso, tentaremos montar uma grande rede de jornais para reproduzir o material que pretendemos produzir daqui para frente. Não importa o partido, desde que assuma a bandeira da luta contra a impunidade. Já temos uma newsletter que circula entre oitenta mil pessoas, todas as semanas. Queremos atingir as pessoas que leem os jornais impressos. Tu podes nos ajudar nisso. Divulgue essa mensagem e, se conheceres algum jornal, de pequena ou grande circulação, sugira que nos deem um espaço.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Obrigatoriedade das tornozeleiras e a eficácia do controle prisional

Após 10 anos, finalmente entrará em operação o projeto de monitoramento de presos por meio de tornozeleiras. O governo gaúcho estima investir R$ 2,5 milhões na compra de mil equipamentos até o final do ano. Inicialmente, a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) estima que 240 presos do regime semiaberto se interessem em usar o equipamento. A Vara de Execuções Criminais (VEC) tem 30 nomes confirmados, mas, de acordo com a Susepe, há mais 40 apenados cadastrados e outros 170 em processo de seleção. Atualmente, esses detentos trabalham durante o dia e voltam à noite aos albergues. Com a tornozeleira, poderão dormir em casa e conviver com as suas respectivas famílias. O itinerário diário do apenado será delimitado pela Susepe. Cada agente do órgão poderá monitorar entre 250 e 300 presos. Se houver um afastamento da área estabelecida, um alerta on line será emitido, e o preso passa a ser considerado foragido. Imediatamente, a Brigada Militar será avisada e começará as buscas. O aparelho funciona com sinal GSM (igual ao usado em celulares e em aparelhos de radiofrequência) e sua bateria dura entre 24 e 48 horas. A eficácia da tornozeleira como método de monitoramento, inclusive, já foi comprovada em 2010. Na época, um foragido do Rio Grande do Sul foi localizado por meio do equipamento que usava em Bragança Paulista, no estado de São Paulo. O projeto seria bom, não fosse o fato de o uso ser opcional. A maioria dos presos não aceita usar o equipamento. Prefere ficar em albergues, onde há pouco controle carcerário a ter uma liberdade vigiada. Uma das alternativas estudadas pela Susepe seria condicionar o uso das tornozeleiras ao trabalho. Só poderia sair para trabalhar o apenado que aceitasse usar o equipamento. A medida, contudo, pode não ser suficiente para atrair mais interessados. Em razão da vigilância precária dos albergues, presos sem trabalho externo também saem às ruas para assaltar, matar e traficar. Inclusive, há algumas situações em que foram flagrados porte de bebidas alcoólicas, drogas e de aparelhos celulares nas dependências das instituições penais. Nesse sentido, entra em questão a problemática relativa ao controle precário dos albergues prisionais. Uma vez que, se o sistema de segurança funcionasse, todos iriam querer usar as tornozeleiras. Como não funciona, o preso prefere ficar no albergue de onde pode sair sem ser vigiado a ficar em casa com o equipamento. No Instituto Penal de Viamão, considerado um dos piores albergues do Estado, por exemplo, de 250 apenados, apenas cinco se candidataram. Dessa forma, avalio que não se deve dar opção, enquanto a população é vítima de crimes todos os dias. O uso da tornozeleira deve ser obrigatório, especialmente, pelo fato de ser a única alternativa ao controle prisional.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Um batalhão de jovens interditados, por Afif Simões Neto

Nesse espaço deveriam apenas aparecer textos escritos por mim. No entanto, achei esse texto tão oportuno, no momento em que a sociedade brasileira começa a discutir a descriminalização do consumo de drogas, que resolvi colocá-lo nesse espaço. Quem puder, além de ler, deve fazer todo esforço para divulgá-lo. Boa leitura, Luiz Fernando Oderich Um batalhão de jovens interditados, por Afif Simões Neto* Sou juiz de Direito em uma das Varas de Família e Sucessões de Santa Maria. São duas ao todo. Na que trabalho, devem circular perto de 3 mil processos. Desses, uns 200 são de interdição. Para quem não sabe, alguém é interditado quando, com mais de 18 anos, perdeu a capacidade mental para a prática de atos da vida civil, por qualquer um dos motivos indicados pela lei. Decretada a interdição, será nomeado curador para a proteção da pessoa e dos bens do interdito, que, por exemplo, não pode casar-se, assinar contratos, abrir uma conta bancária, uma sapataria, comprar uma bicicleta nem que seja. Nenhum documento assinado por ele tem validade. Vira uma coisa, pois não tem vontade própria, dependendo exclusivamente do que os outros possam fazer por ele. Realizo as audiências de interdição em uma quarta-feira do mês, à tarde. São sempre mais de 12 processos pautados. Pois bem: dois deles, dando de barato, dizem respeito a jovens, com até 30 anos ou um pouco mais. Quando algum laudo médico acompanha a petição inicial, é certo que o CID aponta a esquizofrenia como causa para interditar, e mais certo ainda que todos eles – eu disse todos – confessam ao juiz que passaram a consumir maconha ainda na idade juvenil. O pontapé inicial da desdita foi dado, invariavelmente, pelo “inofensivo baseado” fumado na saída do colégio ou nas festinhas da turma. Claro que indivíduos que já sofrem de esquizofrenia e apresentam histórico pessoal de consumo da erva ou outras substâncias demonstram um início mais precoce da doença do que aqueles esquizofrênicos que nunca usaram maconha ou outras drogas. Mas o que quero relatar aqui é que passou a me assustar, analisando os processos de interdição de pessoas jovens, a relação “consumo de maconha – esquizofrenia”. Pelo que dá para ver, o uso regular da Cannabis sativa apresenta um risco potencial para o desenvolvimento de transtornos esquizofrênicos, e esse risco está diretamente relacionado com a utilização contínua do entorpecente de forma precoce. Assim, é lógico, é evidente, salta aos olhos, que a redução do uso da maconha entre os jovens poderia colaborar efetivamente na prevenção de futuros casos de esquizofrenia. Mas aí, o que se vê, ao invés de campanhas nacionais agressivas para alertar dos riscos do consumo, são notáveis de academia – que da missa não sabem a metade – apresentando proposta para alterar o Código Penal, a fim de que a maconha seja legalizada, sob o fundamento de que sua utilização seria reduzida e que eliminaria a ação dos traficantes. Acontece que o traficante também vende crack, cocaína, heroína, ecstasy e outros tipos de drogas. Além disso, em países como Holanda, que liberaram o “bagulho”, foi comprovado que em nada diminuiu o consumo. A maconha é nociva, sim, e é a porta de entrada para uso de outras drogas, ou vocês conhecem algum craqueiro, já na finaleira da vida, que não tenha sido maconheiro antes? Pena que as ações em Vara de Família corram em segredo de Justiça. Se não fosse assim, gostaria muito de convidar essa gente liberal, que acha o máximo liberar maconha para adolescentes, para dar uma passadinha, sem compromisso, numa quarta-feira à tarde, na 2ª Vara de Família de Santa Maria. Talvez o desespero de um pai, de uma mãe, pedindo ao juiz, pelo amor de Deus, que interdite o seu filho amado, que mais parece um zumbi fuçado pela maconha, pudesse trazê-los à realidade. * Afif Simões Neto é Juiz de Direito.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Maracutaia grossa à vista!

A discussão da PEC 37 PARECE uma estéril disputa de beleza entre promotores e delegados. Essa mudança da Constituição Brasileira quer retirar do Ministério Público o direito de investigar, deixando-o como matéria EXCLUSIVA da Polícia Civil. Junte-se uma porção de leis, citem-se alguns juristas e, no meio da enxurrada de palavras difíceis, muitos delegados começam a achar razoável e a lutar pela modificação constitucional. O pano de fundo é a possível existência de uma excessiva concentração de poder no Ministério Público que poderia resultar em abuso de autoridade. PARECE, mas não é. No cerne dessa mudança proposta pelo deputado Lourival Mendes, do Maranhão, esconde-se uma safadeza das grossas. Esqueça-se de investigação de “bagrinhos”. As cadeias estão cheias deles, e nisso nunca houve problema. O ponto central é a investigação do crime organizado, dos crimes de “colarinho branco” e, aquilo que agora põe medo na classe política: a lei da ficha limpa. A Classe Média pode ter nojo de política. Os corruptos e os criminosos de alta estirpe, pelo contrário, gostam e despejam nela muito dinheiro. A bancada é poderosa. Delegados e promotores são recrutados da mesma forma. Por concurso público. Há bons e maus promotores e delegados na mesma proporção que qualquer dos demais segmentos da sociedade. Porém, há uma importante diferença no exercício profissional. Os policiais são subordinados ao Executivo. Exercem a política de segurança pública que o grupo politicamente dominante achar conveniente. Podem ser promovidos, removidos ou rebaixados em função da avaliação política de seu desempenho. O Ministério Público é um órgão de Estado, com atuação autônoma. Administrado, exclusivamente, por membros da entidade. Ao Governador do Estado cabe apenas escolher um, dentro de uma lista tríplice previamente apresentada pela instituição. Assim como os juízes, não podem ser transferidos de modo arbitrário, nem ter seus salários reduzidos. Assim posto, a análise da PEC 37 tem outra face. Do nosso ponto de vista, da sociedade, sairemos fortalecidos ou enfraquecidos se ela for aprovada? Quem tem mais condições de resistir às pressões investigando o crime organizado, os desvios de dinheiro público ou a lei da ficha limpa? A propósito, a Constituição de 88 fará 25 anos. Quantos casos de abuso de poder foram praticados pelo Ministério Público em todo esse período? O silêncio é a resposta. Agora, se o Congresso Nacional está preocupado em mudar a legislação penal, meus parabéns. Quem sabe acabamos com o regime semiaberto? Quem sabe limitamos os casos em que o indulto é permitido? Quem sabe acabamos com os embargos infringentes que possibilitam aos ricos protelar indefinidamente os processos? Chega de braços cruzados.